quarta-feira, 23 de julho de 2008

Canto de Várzea

Canto de Várzea é música que jorrou e jorra do caldeirão cultural da Amazônia como toda a música brasileira, mas aqui é como se fossem os rios, com os seus peixes, seus bichos, sua floresta, suas chuvas, o sol ardente e sua gente. O Amazonas e o Tapajós, o Tocantins, o Trombetas, o Paru, o Jarí, Xingu e Madeira caudalosos e generosos subindo e descendo, levando e trazendo gente e música pra todo lugar. É esse canto daqui, que você vai escutar.
Uma simbiose entre europeus, índios e negros que desaguou em canto e cantoria, histórias de vida, dança, fantasia, uma cena de rua que depois tomou conta das praças, dos palcos, dos teatros modernos subvertendo a tradição com novidades que surgiram da crítica ao conservador a uma postura libertária. Uma mistura natural entre passado e presente, entre o tradicional e o moderno se encontrando no contemporâneo.
Sincronizando ritmos que foram da cantiga de roda ao xote, do xote ao marambiré, do marambiré ao carimbó, do carimbó ao marabaxo, do marabaxo ao baião, do baião ao retumbão, do retumbão ao reggae, e são cantigas, canções, canto de branco, canto de negro, canto de índio, alegria e lamento, saudade e sofrência, é também o batuque de tambor, a batida aguda do “tum ta ta” da música de Walter Freitas ou o lírico “tronco submerso” do Ruy.
É nordeste, é sul e sudeste, é centro oeste é um pouco dessas culturas que a Amazônia bebeu. Quem não cantou o som gostoso das guarânias, dos xotes e dos baiãos e das valsas e dos boleros que parecem e são tão nossos.
Foi através das ondas do rádio pela “Voz da América”, a “BBC de Londres”, a “Rádio Havana” a “Rádio Nacional” e depois a “Rádio Clube de Santarém” e a “Rádio Rural” que fez a música rodar por estes rios afora falando e tocando Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Marinês e Sua Gente, Teixerinha, Waldick Soriano, Carequinha, Roberto Carlos lá muito atrás e depois o Pinduca e mais aqui pertinho seu Isoca e seu Doróro, e seu Emir e os Fona, Espanta Cão ou a desfeiteira em Alter do Chão que Beto Paixão com sua trupe de artistas como Antonio Álvaro, Eduardo Serique, Samuel Lima, João Otaviano, Everaldo Martins, Emir Bemergui Filho, Nicolau Paixão, foram cantando primeiro suas músicas, depois aquelas que o povo já consagrava, da Minha Terra tão querida, meus encantos, minha vida, Santarém do meu amor, a Santarém vou além dos teus encantos.
Para os que gostam e os que não gostam para os que querem criticar e para os que não sabem o que é, o bom mesmo é escutar. (Otacílio Amaral)

TUBO DE ENSAIO

Às vezes me sinto uma estrangeira
como se minha arma não fosse a palavra.
É que trago em mim uma poção mais letal
que qualquer tapa na cara.
Meu sangue é vermelho
de um vermelho perverso e maldito
e meu surto é um susto
acostumada que estou aos sobressaltos do corpo.
Mas não há dor nem arrependimentos
apenas dias em que me observo
como lâmina a cortar o espelho
onde já me admirei
e hoje não me reconheço.
Estou com prazo de validade vencido
como vencida está a minha tolerância
aos preconceitos e à ignorância humanas.
Mas quando me defronto com estas tiranias
sem o peso da vaidade
consigo ultrapassar os limites da carne
e viver além do fim.
de Adriana Monteiro de Barros